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A REVITALIZAÇÃO DO CENTRO E AS PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA

  • 8 de nov. de 2019
  • 3 min de leitura

O poder público e a iniciativa privada apresentam propostas para a região central da cidade.




A cobertura do jornal Notícias do Dia é um exemplo do que se observa nos principais veículos da mídia local. O jornal sugere nas suas matérias que os dois maiores problemas da concentração da população de rua na Praça XV de Novembro são: a segurança pública e a preservação do patrimônio público. O primeiro é um problema por gerar insegurança e medo para as pessoas que circulam pelo local - turistas, estudantes, trabalhadores. E o segundo, somado à caracterização de pessoas em situação de rua como vândalos, decorre da crença de que as pessoas da rua depravam o espaço público, fazendo com que o lugar venha perdendo uma suposta essência do passado, a qual está presente na árvore mais famosa da cidade, a figueira centenária; e na homenagem aos ilustres catarinenses que ajudaram a construir a história da capital.


Essas questões aparecem na mídia, mas também estão presentes no discurso de boa parte da população, de empresas e do poder público. Não é difícil imaginar que, na maioria das vezes, o aumento da força militar é entendido como a solução mais plausível para melhorar a segurança pública. Os trechos selecionados nos mostram um reforço da atuação militar na praça, com rondas da Polícia Militar junto a Guarda Municipal, ação de uma força tarefa chamada DOA - Defesa, Orientação e Apoio às Pessoas em Situação de Rua, criada em 2017. Em entrevista, Maryanne Mattos, secretária municipal de Segurança Pública e comandante da Guarda Municipal de Florianópolis, explica que o objetivo da força tarefa é retirar a população que vive na Praça XV e, de acordo com Maryanne, oferecer todos os serviços oferecidos pela prefeitura: abrigo, tratamento para drogas e contato com as famílias para caso a pessoa queira voltar. No entanto, os serviços ofertados pela prefeitura, como o Centro POP e a Casa de Apoio Social, são insuficientes para as demandas da população de rua e, além disso, muitas dessas pessoas perderam o vínculo com suas famílias, o que impossibilita um retorno.


E como fica a solução para a questão da preservação do patrimônio público? A saída pensada foi um projeto de revitalização da praça, uma iniciativa da prefeitura, CDL e Sapiens Park. O grupo RIC apresenta o projeto como uma tentativa de interligar a praça ao mercado público e, dessa forma, “dar mais utilidade ao espaço”, para que assim também ajude a resolver o problema de segurança. Mas, sobretudo, a revitalização é colocada com o objetivo de preservar o patrimônio da praça e, assim, preservar a cultura e a história da capital catarinense, deixando o questionamento de qual história se quer preservar. Como podemos observar, é uma história de homens considerados ilustres, que realizaram os grandes feitos na cidade, o que não leva em consideração as vivências de populações marginalizadas que também fazem história. Mas voltando ao projeto de revitalização, embora haja essa justificativa do valor histórico, existe outro interesse que se destaca: o econômico. Em um trecho das reportagens, apresentamos Rodrigo Marques, integrante da força tarefa do DOA, alertando para o impacto econômico que a situação de rua causa, pois diante desse cenário, o turista que chega na cidade e se depara com isso não irá querer retornar. Ou seja, nessa visão, a população em situação de rua impede o desenvolvimento do setor de turismo na capital. Como já comentamos, o projeto é uma iniciativa pública, mas também privada. É importante ressaltar que a manutenção da praça, desde março de 2010, é feita por uma parceria público-privada entre a prefeitura e as empresas Carioca Calçados e Lojas Koerich, a qual assinou um Termo de Cooperação para Adoção da área. A iniciativa privada ficou encarregada pela manutenção e conservação do espaço, incluindo a mão de obra para serviços como jardinagem.


A solução que aparece nas matérias veiculadas limita-se a uma intervenção no espaço urbano que revitalize os prédios do centro da cidade (dotando-os de utilidade econômica para iniciativa privada) e que remova dali as pessoas em situação de rua. Transformam-se, assim, densos problemas históricos em simples peças que podem ser movidas, adicionadas e retiradas de uma maquete ou de uma animação em 3D. E quais são esses problemas históricos? São muitos, mas alguns deles são mais evidentes: a segregação social nos espaços urbanos, fruto, entre outros fatores, de um desenvolvimento urbano pautado pela especulação imobiliária; a fragilidade dos valores democráticos em nossa sociedade, que reluta em incorporar princípios básicos dos direitos humanos e da dignidade humana; os discursos de ódio, de intolerância e de preconceito direcionados aos grupos sociais marginalizados; a criminalização e a estigmatização de dependentes químicos e; a brutal desigualdade social existente no Brasil que aprofunda todos os outros problemas e que dificulta muito a implementação de políticas sociais eficazes e transformadoras.


 
 
 

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Ana Luiza Goularti Brunel - luiza.brunel.ana@grad.ufsc.br
Kassia Rossi - kassia.rossi@grad.ufsc.br
Tiago Kramer de Oliveira - tiago.kramer@ufsc.br

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