VIOLÊNCIA E SILENCIAMENTO
- 7 de nov. de 2019
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Embora não recebam a mesma atenção pelos jornais, as diversas formas de violência contra a população em situação de rua acontecem constantemente por parte do Estado e da sociedade civil.
Houve um reforço da atividade policial na praça, como forma de melhorar a segurança pública. Mas o que isso implica para as pessoas em situação de rua? De acordo com essas pessoas, muitas vezes, implicou em violência contra elas. A violência vem por parte do Estado, com a ação da Polícia Militar e Guarda Municipal, mas também está presente no discurso de uma parcela da população. Veja a seguir um vídeo de André Schaffer, gravado em 02 de julho de 2018, no qual ele denuncia a violência policial, mas principalmente a ação violenta por parte da sociedade civil, em decorrência de um episódio em que uma pessoa da rua foi agredida com uso de bombas. Acontecimento que não foi pautado em nenhum dos principais veículos de imprensa da grande Florianópolis.
Outro exemplo foi o caso ocorrido na Universidade Federal de Santa Catarina em 17 de agosto de 2018, no qual uma pessoa em situação de rua, conhecida por vender artesanato no local, foi agredida por três homens e levada ao Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago (HU), depois de ficar horas em estado debilitado num banco próximo ao Centro de Comunicação e Expressão (CCE) sem que alguém lhe prestasse ajuda. Assim, essa violência por parte da polícia e pela sociedade de forma geral, também está presente no discurso do jornal, que é o caso do comentarista Luiz Carlos Prates, o qual defende abertamente a retirada da população de rua da praça de forma autoritária e com o uso da violência. A opinião de Prates é compartilhada por muitas pessoas que estão à nossa volta, além de causar essa identificação de ideias, de certa maneira, também incentiva e legitima ações violentas.
De acordo com o Ministério da Saúde, 777.904 casos de violência foram notificados contra a população de rua no Brasil entre os anos de 2015 e 2017. Esse dado faz parte de uma análise das notificações de violência registradas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), ferramenta utilizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Do número total, em 17.386 casos, a principal motivação foi a condição de situação de rua da vítima. A maior parte dos casos denunciados foi de violência física, mas também psicológica/moral, sexual, tortura, negligência/abandono etc. Em Florianópolis, durante o período pesquisado, 31 notificações de violência foram motivadas pela situação de rua. Embora esses dados não forneçam com total precisão a realidade de violência contra a população em situação de rua no Brasil e em Florianópolis, uma vez que não são todos os casos que são notificados, já possibilita a compreensão de que a população de rua sofre violências simplesmente pela sua condição de rua.
Além de serem vítimas de violência, as pessoas em situação de rua carregam o estigma de serem “perigosas” e “criminosas”. Isso pode ser percebido em algumas entrevistas realizadas pelo Notícias do Dia, nas quais alguns indivíduos entrevistados relatam se sentirem inseguros ao passarem pela Praça XV, por conta da presença da população de rua, além de ficarem com medo de assaltos e agressões. De forma geral, isso tem a ver com a vinculação da pobreza e desigualdade à violência e delinquência, o que motiva a sociedade a perceber a pessoa em situação de rua como um criminoso em potencial. No entanto, não existem estudos ou estatísticas que demonstrem qualquer vinculação entre a situação de rua e a propensão a cometer crimes violentos. Por um lado atribui-se às pessoas em situação de rua uma criminalidade violenta que elas não protagonizam, por outro silencia-se a violência de que são vítimas. Por que os veículos de comunicação agem dessa maneira? Apenas reproduzem os estereótipos já existentes na sociedade? Produzem suas matérias de forma deliberadamente parcial para atender grupos políticos e econômicos? Usam o sensacionalismo e o medo como estratégia para conseguir audiência a qualquer preço? Não é pretensão deste texto responder essas perguntas. O objetivo é oferecer para a sociedade elementos que possibilitem refletir, questionar e desconstruir narrativas que são ditas e escritas como verdades inabaláveis e abrir uma fresta no silenciamento das pessoas em situação de rua. Aqui você pode ouvir a história da Aline, do André e de outras pessoas que merecem ser ouvidas e respeitadas.
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